"Se for falar da Portela, hoje eu não vou terminar". É assim que o ilustre portelense Monarco, no samba "Passado de glória", tenta trazer à memória histórias de sua querida Portela, uma das mais antigas e tradicionais agremiações do Rio de Janeiro. E ele tem razão: é um desafio e tanto falar de uma escola que mantém a bagatela - até hoje não alcançada por qualquer outra co-irmã - de 21 títulos conquistados no carnaval carioca. Trata-se de uma entidade única do samba, que participou ativamente da história dos desfiles, muitas das vezes como protagonista.
Alguns blocos cruzaram a história da Portela antes de sua fundação, em 1923: Quem Fala de Nós Come Mosca, liderado por Dona Esther Maria de Jesus, influente senhora de Oswaldo Cruz que organizava em sua casa rodas de samba com Pixinguinha, Cartola e Donga; Baianinhas de Oswaldo Cruz, que tinha entre seus componentes Paulo Benjamim de Oliveira, mais conhecido como Paulo da Portela; e Conjunto de Oswaldo Cruz, que surgiu com o fim das Baianinhas e depois mudou de nome para Nos Faz É O Capricho e, finalmente, Vai Como Pode.
É impossível falar da Portela e não fazer referência a um nome pioneiro não só para a história da azul-e-branca, mas também para a consolidação do carnaval no Rio: Paulo da Portela. Exímio compositor, Paulo já militava em prol da legitimação do samba como manifestação cultural do povo - e não mais um caso de polícia, como era encarado antes. Os blocos sob seu comando primavam pela organização: não havia badernas nem tumultos. Com ele, a vagabundagem característica dos anos 20 não tinha vez. As rodas de samba comandadas por Paulo da Portela eram um espaço, sobretudo, para a família e para os apreciadores do ritmo.
Em 1935, a prefeitura incluiu no calendário da cidade o desfile das escolas de samba. Era o que faltava para torná-las, de fato, oficiais. Na época, o prefeito Pedro Ernesto chegou a liberar uma subvenção de dois contos e quinhentos para as agremiações. À frente da Vai Como Pode, que já tinha se transformado em uma escola de samba, Paulo resolveu apresentar sua comunidade na Praça XI com o nome Portela, que, naquele ano, conquistou seu primeiro campeonato com "O samba dominando o mundo".
Era o prenúncio de uma história de sucesso da águia, símbolo da escola. A Portela conquistou fama pela disciplina dos componentes (que, diga-se de passagem, desfilavam muito bem-vestidos, dos pés à cabeça), e por introduzir novidades que inspiraram outras agremiações: a primeira alegoria, a comissão de frente uniformizada, o primeiro samba-enredo e o uso de instrumentos como a caixa-surda e o reco-reco.
Nos anos 40, outro feito histórico: de 1941 a 1947, a Portela conquistou o primeiro lugar. Só dava ela, a única heptacampeã do carnaval carioca. Mas também foi uma década triste para Oswaldo Cruz. Em 1949, o fundador Paulo da Portela morreu brigado com a escola que tanto contribuiu para consolidá-la no panteão do carnaval carioca. Uma estabilidade que, diga-se de passagem, muito se deveu aos grandes sambas assinados pela nata de compositores da azul-e-branca: Monarco, Waldir 59, Candeia e Zé Kéti.
Uma das tradições da Portela é a de acolher figuras ilustres em sua comunidade. Uma delas é Paulinho da Viola. O cantor fez sua estréia em Oswaldo Cruz em 1966, aos 22 anos, ganhando a disputa de sambas com uma obra rebuscada, de 45 versos, sobre o livro "Memórias de um sargento de milícias". Difícil de cantar? Não na Avenida. A composição ajudou a escola a colecionar mais um título ao seu currículo.
Clara Nunes, cantora que despontava na MPB, também escreveu seu capítulo na história da Portela. Foi nos anos 70, ajudando a puxar uma seqüência de sambas memoráveis: "Ilu Ayê" (1972), "Pasárgada, o amigo do rei" (1973), "O mundo melhor de Pixinguinha" (1974) e "Macunaíma, herói de nossa gente" (1975). Esta, por sinal, é uma década sempre lembrada pela comunidade azul-e-branca : foi a última vez em que a escola sagrou-se campeã, sozinha e absoluta, com "Lendas e mistérios da Amazônia", em 1970.
Dos anos 80 para cá, foram muitos altos e baixos. A veterana emplacou outras duas vitórias (1980 e 1984), ainda assim dividindo o título com outras co-irmãs. Em 1995, não levou o campeonato, mas quase chegou lá, com o ótimo "Gosto de me enrosco" ("Abram alas, deixa a Portela passar, é voz que não se cala, é canto de alegria do ar"). Foi a vice-campeã daquele ano.
A azul-e-branca também patinou em outras posições, das cinco primeiras às intermediárias. Em 2005, por pouco não foi rebaixada, com um desfile cheio de problemas: águia sem asas (fato gravíssimo, em se tratando de uma das alegorias mais aguardadas do carnaval, senão a mais esperada de todas), evolução comprometida e sem a tradicional velha-guarda, que foi impedida de desfilar. Resultado: 13º lugar, à frente apenas da Tradição, que voltou ao Grupo de Acesso A.
Para este ano, a escola quer fazer uma festa do esporte, da saúde e da beleza com um enredo que antecipa a festa dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. O resultado é importante? Sim, afinal são mais de 30 anos sem figurar no primeiro lugar do pódio. Mas o que importa mesmo é voltar a ser o que ela sempre foi no carnaval: aquele rio azul-e-branco que mexe com a vida de cada folião, quando a Portela pisa a Passarela e vai entrando na Avenida.